Diante do alto índice de crimes hediondos que tem repercutido no Brasil e em Mato Grosso, o sentimento de impunidade e de revolta toma conta da população. Em meio a um processo judicial, tal emoção recai sobre a parte acusada e, muitas vezes, de forma direcionada à sua defesa, gerando um entendimento de que a defesa da pessoa seria a defesa do crime em si.
Defensor público e pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando Antunes Soubhia, explica que parte desse sentimento de que a defesa pública “só serve para defender bandido” é gerada até mesmo por entes políticos sem intenção de manipular a população e tirar proveitos eleitorais das emoções provocadas.
“Vivemos um momento de altos índices de criminalidade, um momento de populismo penal, onde os políticos usam esse medo da população, esse sentido de potencial vitimização como arma política, como palanque eleitoral. Esquerda ou direita, se você analisar, qualquer programa político hoje é baseado no combate ao crime. Quando se usa esses instrumentos, acaba manipulando a opinião das pessoas. É preciso um bode expiatório, um inimigo. No sistema de Justiça, ele virou a defesa, o que é um grande equívoco, podemos precisar de um defensor um dia”, argumentou em entrevista ao programa Tribuna, da rádio Vila Real FM (98.3).
Embora reconheça como “compreensível” o sentimento de revolta diante de casos que geram grande comoção social, Fernando tenta desmistificar a ideia de que o defensor público faz a defesa do ato de agressão pelo acusado. Este é um pensamento errado, o que o advogado faz é buscar garantir o direito à ampla defesa que abrange todo cidadão acusado de algum delito. Ele conta ainda que já chegou a presenciar casos de defensores ameaçados no exercício da função.
“A população acaba direcionando ao defensor ou advogado a sua frustração em razão do sentimento de injustiça, seja por desconhecimento técnico, por manipulação, ou por estar próximo do delito e tem sentimentos. Então, já tivemos casos de defensores ameaçados e foram removidos de uma cidade a outra por isso. Inclusive temos uma estrutura de inteligência que trabalha para conter esses casos”, narra.
Segundo Fernando, embora os casos criminais tenham grande repercussão social, no entanto, a porcentagem de processos criminais onde a Defensoria Pública atua é muito menor se comparada ao volume da área cível, considerada por ele massivo.
Ele ainda defende que é preciso romper com o conceito de que ouvir o lado de um acusado desmerece o direito das vítimas ou que seja causa de impunidade. Na realidade, ela é uma forma de garantir que “as regras do jogo” sejam cumpridas e os julgamentos baseados na análise de provas.
"O direito de defesa é sagrado, bíblico. Você não pode condenar alguém sem dar oportunidade para que ela dê sua versão. Imagina condenar alguém sem ouvir, tente provar que não foi ela", argumenta.
Outro ponto sensível em relação à atuação da defensoria se refere aos casos de feminicídio. Em muitos processos, os acusados, por não terem condições financeiras de pagar a defesa privada, que é um dos critérios para serem defendidos de forma gratuita, procuram a Defensoria Pública. Nesse sentido, Fernando crê que somente penas consideradas “pesadas” não são suficientes para impedir os deliciosos.
“O Brasil tem tendência de querer resolver criminalidade com pena. Hoje o feminicídio tem a pena mais alta do código penal, 20 a 40 anos. Se somar as aprimoradas vai para 45, até 60 anos e ainda assim o feminicídio segue crescendo nas estatísticas porque não se trabalha nas outras áreas. Pena é a parte política, mas isso não reduz crimes”, avalia.
Para o defensor, é necessário trabalhar questões sociais e políticas públicas externas ao enfrentamento, mas principalmente à parte preventiva, para além da punitiva, com programas que trabalham desde a infância a mudança de pensamentos de posse e violentos.
“Quando conversas em feminicídio temos que trabalhar violência de gênero, o machismo estrutural. Homens violentos acham que são donos das mulheres e de seus corpos, eles não aceitam excluídos, ou que eles entrem no mercado de trabalho. Não vai ser 20 ou 40 anos de cadeia que vai impedir que um homem que pensa assim de matar a esposa. É preciso política educacional, inclusão e representatividade, mas, infelizmente, no clima político atual falar em igualdade de gênero te acusam… é difícil resolver a questão”, alega.